Altomar

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A compreensão insólita da existência emerge naturalmente nas pessoas esclarecidas. É um processo impossível de frear. Quanto mais as pessoas exercitam
essa misteriosa habilidade evolutiva – a inteligência – mais estranhos a sociedade, o indivíduo e seus atributos vão se tornando.

Nos contos de Cláudio Dutra, inteligência e estranhamento são justamente os fluídos que melhor transbordam. Que melhor viciam. Poucos são os ficcionistas que conseguem equilibrar de maneira tão orgânica uma linguagem elegante, apolínea, e um imaginário delirante, dionisíaco.

Nesta coletânea primorosa, razão e fantasia convergem ardilosamente, conspirando contra a causalidade banal de nossa vida cotidiana. As surpresas insólitas acontecem numa atmosfera de Verdade ontológica, como se afirmassem: a verdadeira Vida sempre foi assim, refinada, mas absurda. Bizarra. Abram os olhos e
contemplem. A tagarelice comprida de um engraxate fanfarrão, um sujeito ajudando uma velhinha a atravessar um cruzamento movimentado, os frequentadores habituais de uma academia de ginástica, a tentativa de entrevista de um jovem recenseador com uma velha senhora, um anfitrião oferecendo duas jujubas de cores diferentes… As cenas corriqueiras em poucas linhas ganham novas camadas que expõem sua dimensão onírica. De sonho. Ou mais frequentemente de pesadelo.
Cláudio Dutra é um mago bastante hábil na arte do encantamento. Sua prosa sem pressa, minuciosa, nos hipnotiza. Percepções cômicas brilham em todas as
páginas, e essa é a qualidade variável que me atrai na boa ficção fantástica: o humor que revitaliza, subtraindo de qualquer pesadelo parte de sua potência niilista. A sátira Por um trix é um dos melhores contos que eu li neste século.

Outra narrativa fascinante é Altomar, uma ficção futurista das mais inspiradas. Numa época em que os oceanos cobriram totalmente os continentes, os humanos remanescentes foram forçados a se organizar numa hierarquizada sociedade marítima. Uma distopia? Difícil dizer. Nesse conto a ambiguidade é muito forte. Se todos os cidadãos de um Estado totalitário estão bem adaptados, incluindo os quase escravizados, é justo carimbar distopia nesse arranjo? Talvez utopia assente melhor. Uma inquietante utopia de colmeia. Fico imaginando o que Homero, Camões e Fernando Pessoa pensariam desses grandes navegantes num mundo sem sequer um metro quadrado de terra à vista.

{ Luiz Bras }

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